O bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, critica o silêncio “cobarde” de quem se cala perante situações sociais degradantes e nega que exista um ambiente de crispação entre a Igreja Católica e o executivo angolano, afirmando que o diálogo é “permanente”.
Belmiro Chissengueti, que falava à Lusa em Cabinda, após a visita do presidente angolano à província, rejeitou a existência de reacções negativas por parte de membros do executivo às suas mensagens, frisando que os bispos defendem a pátria. Pátria que, segundo o regime, é sinónimo de MPLA. E quando isso acontece, e acontece há 46 anos, diálogo é um eufemismo usado em proveito exclusivo sempre dos mesmos.
“Esse dito ambiente de crispação entre a Igreja e o Estado (angolano) nós não o sentimos, esse é um ambiente criado na mente de internautas, de pessoas que julgam que criticar determinada posição do Governo é estar contra o Governo”, sublinhou, fazendo a distinção entre o mundo das redes sociais, onde há um extremar de posições, e o que se passa na realidade.
“Nós (os bispos católicos), queremos o maior bem da Pátria, o maior bem do país. Não queremos ser aqueles que cobardemente fazem silêncio diante de uma situação social galopantemente decadente”, afirmou o eclesiástico, acrescentando que é missão da Igreja chamar a atenção para aquilo que deve ser feito e prevenir males que podem ser erradicados.
“Nunca houve nenhuma crispação, nunca me foi negado um encontro com o governador, antes pelo contrário. Temos um diálogo permanente, a nível central também”, garantiu Belmiro Chissengueti.
No entanto, “o facto de não haver crispação, não quer dizer que concordemos com tudo o que é feito, chamamos a atenção daquilo que não está bem”, notou o bispo, aludindo também ao lema da presente governação, que é corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.
Entre as correcções a fazer, apontou exemplos como a corrupção, a sobrefacturação, as obras mal feitas, os baixos salários. E, já agora, os 20 milhões de pobres.
Questionado sobre se já foi pressionado ou alvo de críticas respondeu, entre risos, que deve ser “o mais criticado”.
“Isso não me aquece nem me arrefece, estou habituado a viver neste ambiente de polémicas. O certo é que digo o que penso, não sou nenhum bajulador que vive no mundo da imaginação, eu vivo do realismo”, vincou.
Sobre se em Angola ainda é dominante o culto do chefe, o bispo de Cabinda admitiu que a existência de bajuladores não é benéfica para o desenvolvimento do país.
“Há bajuladores, temos até alguns com título académico superior ao phD (doutorados) que, na ânsia de conseguirem cargos políticos, benefícios económicos e vantagens ainda usam as pessoas a ponto de não terem capacidade ou coragem de reconhecerem as suas falhas e ajudarem a melhorar”, destacou.
“Estes bajuladores que fazem o culto do chefe têm uma capacidade de transumância incrível. Há pouco tempo eram por José Eduardo dos Santos, agora por João Lourenço e não lhes custa nada mudar para um outro. É importante que quem dirige não se deixe levar pelo culto de personalidade, saiba sobretudo ouvir aquele que pensam diferente e que muitas vezes trazem muito mais verdade do que os bajuladores”, aconselhou.
Realçou ainda que enquanto o bajulador “só está à procura de uma oportunidade para a sua vida”, os bispos querem “oportunidades para todos”.
Por isso, considerou que o Presidente angolano “faz bem em encontrar-se com figuras dissonantes”, mais habilitadas para transmitir a realidade do país.
Apelou, por outro lado, à valorização da mão-de-obra, independentemente da sua origem, da sua cor ou condição social “porque é esta diversidade que produz riqueza”.
Para Belmiro Chissengueti, regionalismo, nepotismo, tribalismo, “são doenças que não permitem o desenvolvimento. É preciso lucidez para não sermos a causa da nossa própria desgraça. O grande mal é vivermos por cima de jóias e passar fome”.
Belmiro Chissengueti foi ordenado bispo em Luanda, por Dom Filomeno do Nascimento Vieira Dias (actual arcebispo de Luanda e presidente da CEAST) e tomou posse no dia 7 de Outubro de 2018, como novo bispo da Diocese de Cabinda.
Tem-se tornado conhecido por partilhar sem rodeios as suas opiniões nas redes sociais, mas também pelas homilias consagradas aos temas sociais.
Foi recebido em Cabinda pelo presidente angolano, João Lourenço, encontro onde expressou diversas preocupações sobre aquela província do norte de Angola e do qual fez um balanço positivo.
Por uma questão de memória e respeito pelos angolanos, recorde-se que o Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado pelas execuções sumárias (massacres) levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977, salientando que se tratava de “um sincero arrependimento”. Tão sincero que o mentor dos massacres, Agostinho Neto, continua a ser – segundo o MPLA – o único herói nacional.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo.
“O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”, acrescentou. Assim, segundo o próprio presidente João Lourenço, nada desta encenação se destina, ao faz antever, que seja feita justiça. Aliás, de acordo com o ADN do MPLA, fazer justiça seria com certeza reeditar o que Agostinho Neto mandou fazer em 27 de Maio de 1977.
João Lourenço admitiu que, devido ao tempo decorrido, poderá não ser possível localizar todas as vítimas, mas garantiu que serão feitos todos os esforços para que as famílias possam realizar um funeral condigno e pediu a compreensão de todos para os casos em que não for possível atingir este objectivo.
Sobre o assunto, Belmiro Chissengueti reiterou em devido tempo que a iniciativa do chefe de Estado “é um passo inicial de reconciliação com a história, com o passado”, mas, assinala, “é fundamental que no presente se faça todo o esforço para que a barbárie de 77 e de outros conflitos não se voltem a repetir”.
“Se fazemos e temos coragem de nos reconciliarmos com os mortos, por maioria de razão, temos também de fazê-lo com os vivos, ou seja, fazer com que no concerto político ordinário se busque a salvaguarda do bem comum, se promovam os valores da caridade, da solidariedade, da partilha, do amor e da concórdia”, defendeu.
O bispo diocesano de Cabinda, considerou também ser necessário que se “evitem actualmente situações de intolerância política, de humilhação de adversários políticos e todas aquelas situações passíveis de provocarem novos conflitos”.
“Pois é com os vivos que temos de fazer o frente-a-frente para a reconciliação”, afirmou Belmiro Chissengueti.
Para João Lourenço, a postura de um Estado “deve ser ponderada e comedida pelas responsabilidades que tem na defesa da Constituição, da lei e da vida humana”.
17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial. Vladimir Putin que se cuide…
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político do MPLA.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.
Folha 8 com Lusa
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